Do Açude Castanhão ao preço da água: o que mudou dois anos após inauguração da Transposição no Ceará

29 ago 2022 - Nordeste

Em junho de 2020 era inaugurado o Eixo Norte do Projeto de Integração da Transposição do Rio São Francisco (Pisf), responsável por levar água ao Castanhão, o maior e mais importante açude cearense, encarregado do abastecimento de mais de 4 milhões de pessoas. Pouco mais de dois anos depois, quais foram os avanços conquistados no Ceará pela maior obra hídrica do Brasil? Quais garantias ela trouxe e quais pontos ainda precisam avançar?

Para responder essas e outras questões, o Diário do Nordeste ouviu especialistas. O consenso entre eles é de que a Transposição tem conseguido cumprir seu propósito maior, que é fortificar a segurança hídrica do Estado. Apesar dos pontos positivos destacados, há “questões importantes a corrigir”, conforme destaca o professor da UFC, Cleiton da Silva Silveira.

Dentre essas ressalvas apontadas pelo docente universitário, destaca-se o alto preço da água para o Estado. “O custo de manutenção da infraestrutura [do Pisf] pode aumentar o custo da água, embora isso represente segurança hídrica e até energética para o Ceará, visto que as térmicas são também usuárias de água no Estado”.

O docente do departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da UFC também destaca o “surgimento de passagens molhadas” ao longo do percurso das águas como um ponto negativo da Transposição. “Em alguns casos, essas passagens podem danificar vias de transportes”, pontua. Apesar destas questões, Cleiton reconhece que os pontos positivos da Transposição sobrepõem os negativos.

“A água é necessária para atendimento das cidades, indústria, agricultura, pesca, dentre outras questões. A segurança produzida pela infraestrutura e a redução dos riscos de desabastecimento destes usos são aspectos que ao colocarmos frente aos aspectos negativos sobrepõem-se”, avalia.

O diretor de Operações da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), Bruno Rebouças, concorda. Segundo ele, a Transposição do Velho Chico foi positiva e, nesses dois anos, “aumentou a segurança especialmente na parte que percorre desde o Cariri à Região Metropolitana”.

A Bacia Metropolitana, que aglutina os açudes que abastecem a RMF, conquistou importante recarga hídrica neste ano. Esse volume, contudo, adveio exclusivamente das águas das chuvas.

“Essa quadra [chuvosa] foi importante, pois os açudes da Bacia não precisaram da água do Castanhão, logo, o mais importante açude teve suas águas preservadas”, pontuou o titular da Secretaria de Recursos Hídricos (SRH) do Ceará.

Conforme pondera Bruno Rebouças, o cenário que já é positivo pode ficar melhor diante da expectativa de o Estado receber água através do Ramal do Salgado – obra que ainda está em fase licitação para ser implantada pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR).

TRANSPORTE DE ÁGUA ESTRATÉGICO

As chuvas no Ceará se concentram majoritariamente no primeiro semestre, em especial entre os meses de fevereiro a maio. Foi justamente este período o escolhido para que ocorresse a transposição das águas. A escolha é estratégica.

“O Estado tem optado em receber a vazão durante o primeiro semestre dado a eficiência da transferência, uma vez que o trecho de Rio de leito natural é um trecho bastante extenso onde as chuvas garantem uma maior eficiência na operação”, justifica Rebouças.

Desta forma, transferir as águas no segundo semestre, quando não há chuva, teria maior quantidade de perda das águas por evaporação, deixando a operação inviável.

No segundo semestre, completa o diretor da Cogerh, “estamos usando a água pela primeira vez justamente para poder aferir as perdas. Nesse momento o teste está sendo proporcionado, em acordo com o MDR, para justamente realizar uma avaliação de perdas na operação”.

Ao final do estudo, acrescenta Bruno, o Estado irá juntamente com o MDR avaliar a pertinência de manter a operação no segundo semestre ou não.

A vazão que é liberada para o Estado do Ceará, assim como os demais Estados atendidos, é fruto de um Plano de Gestão Anual pautado no Plano de Operação Anual, que é enviado pelos Estados durante o segundo semestre para o operador nacional.

Conforme Francisco Teixeira, a vazão, neste ano, não foi preponderante para o aumento da garantia hídrica deste ano no Ceará. Do total de 1,2 bilhão de metros cúbicos conquistados em 2012, pelo Castanhão, apenas cerca de 10% foi proveniente das águas da Transposição do Rio São Francisco.

Apesar dessa “independência” conquistada, Teixeira se mostra cauteloso ao falar sobre os próximos anos. Segundo ele, é preciso observar como serão as próximas quadras chuvosas para, então, avaliar o quão dependente o Castanhão está da Transposição.

MAIS DE 12 MILHÕES DE BENEFICIADOS

O Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional (Pisf) tem por missão garantir a segurança hídrica em 390 municípios nordestinos, em população estimada de 12 milhões de pessoas – dentre as quais mais de um terço estão no Ceará.